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domingo, março 04, 2012

A CONFRARIA DOS RELOJOÁRIOS

A primeira coisa que ganhamos ao nascermos, não é um nome, é um relógio. Um relógio biológico é verdade. Mas é um relógio. Vá lá que ele demore um pouquinho para se adaptar ao espaço extra-uterino e que, à medida que o tempo passe, ele piore gradativamente, pois nem os suíços têm um relógio biológico suíço!
Assim, inauguramos a obsessão humana pela passagem do tempo e assim prosseguiremos até o último segundo. Vejam: não se pergunta simplesmente o nome de um bebê sem que se pergunte quanto tempo ele tem. Depois, só se lembram da data ou nem disso. A data é uma espécie de relógio que parou no tempo e que pelo menos uma vez por ano terá razão. Relógios e tempo são assuntos pontuais na estranha e invisível máquina da condição humana de existir. Sinceramente, não me surpreende o fascínio que as pessoas têm pelo tempo e pelos relógios. Eu as respeito e espreito. Flávios, Freds, Umbertos, Arildos, Paulos, Primitivos e tantos mais, perdendo ou ganhando tempo diante de vitrines, em balcões de relojoarias e joalherias ou, como eu, nas bancas de camelô, escolhendo, comparando, comprando modelos, sonhos e desejos. O brilho dos mostradores tal qual o espelho da madrasta no imaginário popular marcado a fogo e sombra, a indagar: “espelho, espelho meu, blá, blá, blá...” – substitua por “tempo, tempo, tempo, blá, blá, blá...”, de Caetano Veloso e parece claro que o relógio é o espelho individual de ver o tempo que passa. De ver o que ganhamos e o que perdemos. É o espelho de nos projetar no tempo futuro, no momento que agendamos para passarmos por lá. Um relógio é uma fatia de bolo que nos lembra de partilhar o tempo. Ou deveria ser, sei lá. Filósofos, sociólogos, pedagogos, literatos, tecnocratas, operários, professores e artistas sabem do segredo. Não é futilidade, subjetividade tacanha. É a constatação de que não importa a ocupação funcional, o dom celestial, a capacidade laboral ou a formação profissional que o indivíduo tenha, ostente ou conquiste, a verdade é uma só, desde que o mundo existe: há poesia em observar o tempo. E não há capacidade criadora que resista à praticidade de olhar o tempo num “mecanismo de precisão”, num “cebolão”, num símbolo de status e ostentação, numa réplica à perfeição, numa barata imitação. Pergunte a Santos Dumont, que tirou o homem do chão, mas só aprendeu a voar quando teve o tempo ao seu dispor num dos pulsos. É o impulso criador que move o mundo, como num relógio, a cada segundo. Relógios de modelos digitais, geniais, clássicos, inovadores, de parede, de corrente, de anel, relógio londrino monumental, relógio cuco, de carrilhão, o relógio público da Central. Relógio de sol, na tela do computador, com ou sem mostrador, relógio com a máquina aparente, com pulseira de aço, de borracha, de napa, de plástico, de couro, de silicone, de ouro. Relógio como eterna opção de presente, para cronometrar o esporte e o momento da derrota ou da vitória. Relógios que vêm com um carro pelo lado de fora. Consultado para registrar o direito ao salário do operário; para marcar o criativo momento do hábito de nosso ócio crítico e ácido; para assinalar nosso último suspiro na certidão de óbito. Para garantir que a noiva se atrase em qualquer casamento, para pesar nos centésimos de nossos sofrimentos. Para eternizar a hora de nosso nascimento. Para marcar nosso tempo de esperar na fila, para ajudar a supor os motivos de quem nos faz esperar. A fome é o relógio do corpo, o amor é o relógio da alma (esse, às vezes atrasa ou para de funcionar). O tempo é o relógio da vida. Relógio é obra de arte parada que se mexe. É o livro das horas ganhas e perdidas. É utensílio, é instrumento que mede e pelo qual a sociedade decidiu medir a importância de um homem: quanto menos tempo ele tem para ouvir, ler, conversar e abraçar, mais importante ele parece ser. Será? A saudade é o relógio do passado, a gaveta é o relógio do guardado. A memória é um relógio escangalhado. A bússola é o relógio do mundo, a biruta é o relógio do vento. O medo é o relógio do silêncio. Um relógio é a bula de um remédio que cura todos os males. É a joia da esperança. É algema que nos prende ao tempo. É um link, um insight, um flashback, um porta-portrait, uma desculpa de pensar no idioma inglês. Quem ainda não teve um relógio, tenha fé que um dia terá. Convido, sem ser convidado, a que todos ingressem na Confraria dos Relojoários. Uma confraria dedicada e formada por todos aqueles que gostam, que usam, que admiram, que colecionam e que pagam para ver o tempo passar, mas que não o deixam passar impune. E mesmo assim ele passa.

Erivelto Reis
Professor de Literatura das FIC
Fonte: Revista FEUC em foco. Ano 2 - Nº7 - Pág 18
www.revistadigital.feuc.br



4 comentários:

  1. Dora, Querida

    Um tema bem dissecado.
    Ocorre-me dizer que o relógio (objecto de marcar o tempo) regista o atraso de uma pessoa, de duas, num encontro com hora pré estabelecida.

    Beijos

    SOL
    http://acordarsonhando.blogspot.com/

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  2. Dora,Meu amiguinho Tigre está participando do concurso Esconde esconde no blog da Kika,preciso de seu votinho na fotinha dele....O NÚMERO É 47 e este é o link :
    http://kikaeassuasideias.blogspot.com/
    Muito grata!beijos de luz

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  3. Ótimo texto para começar a semana.
    Abraço

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  4. Oie querida!
    Ahhhhh adorei o texto, quanta verdade!
    Beijo, beijoooo
    She

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